domingo, 10 de junho de 2012

O Livro dos Médiuns - itens 14 a 17


CAPÍTULO II
Do maravilhoso e do sobrenatural

14. Resumimos nas proposições seguintes o que havemos expendido:


1º Todos os fenômenos espíritas têm por princípio a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo e suas manifestações.

2º Fundando-se numa lei da Natureza, esses fenômenos nada têm de  maravilhosos,  nem de sobrenaturais,  no sentido vulgar dessas palavras.

3º Muitos fatos são tidos por sobrenaturais, porque não se lhes conhece a causa; atribuindo-lhes uma causa, o Espiritismo os repõe no domínio dos fenômenos naturais.

4º Entre os fatos qualificados de sobrenaturais, muitos há cuja impossibilidade o Espiritismo demonstra, incluindo-os em o número das crenças supersticiosas.

5º Se bem reconheça um fundo de verdade em muitas crenças populares, o Espiritismo de modo algum dá sua solidariedade a todas as histórias fantásticas que a imaginação há criado.

6º Julgar do Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de  ignorância e tirar todo valor à opinião emitida.

7º A explicação dos fatos que o Espiritismo admite, de suas causas e conseqüências morais, forma toda uma ciência e toda uma filosofia, que reclamam estudo sério, perseverante e aprofundado.

8º O Espiritismo não pode considerar crítico sério, senão aquele que tudo tenha visto, estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto qualquer adepto instruído; que haja, por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da ciência; aquele a quem não se possa opor  fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhes aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.


15. Pronunciamos há pouco a palavra  milagre;  uma ligeira observação sobre isso não virá fora de propósito, neste capítulo que trata do maravilhoso.

Na sua acepção primitiva e pela sua etimologia, o termo milagre  significa coisa  extraordinária, coisa admirável de se ver.  Mas como tantas outras, essa palavra se afastou do seu sentido originário e hoje, por milagre, se entende (segundo a Academia) um ato do poder divino, contrário às leis comuns da Natureza. Tal, com efeito, a sua acepção usual e apenas por comparação e por metáfora é ela aplicada às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja causa se desconhece. De nenhuma forma entra em nossas cogitações indagar se Deus há julgado útil, em certas circunstâncias, derrogar as leis que Ele próprio estabelecera; nosso fim é, unicamente, demonstrar que os fenômenos espíritas, por mais extraordinários que sejam, de maneira alguma derrogam essas leis, que nenhum caráter têm de miraculosos, do mesmo modo que não são maravilhosos, ou sobrenaturais.

O milagre não se explica; os fenômenos espíritas, ao contrário, se explicam racionalissimamente. Não são, pois, milagres, mas simples efeitos, cuja razão de ser se encontra nas leis gerais. O milagre apresenta ainda outro caráter, o de ser insólito e isolado. Ora, desde que um fato se reproduz, por  assim dizer, à vontade e por diversas pessoas, não pode ser um milagre. Todos os dias a ciência opera milagres aos olhos dos ignorantes. Por isso é que, outrora, os que sabiam mais do que o vulgo passavam por feiticeiros; e, como se entendia, então, que toda ciência sobre-humana vinha do diabo, queimavam-nos. Hoje, que já estamos muito mais civilizados, eles apenas são mandados para os hospícios.

Se um homem realmente morto, como dissemos em começo, ressuscitar por intervenção divina, haverá aí verdadeiro milagre, porque isso é contrário às leis da Natureza. Se, porém, tal homem só aparentemente está morto, se ainda há nele um resto de vitalidade latente e a ciência ou uma ação magnética consegue reanimá-lo, um fenômeno natural é o que isso será para pessoas instruídas. Todavia, aos olhos do vulgo ignorante, o fato passará por milagroso, e o autor se verá perseguido a pedradas, ou venerado, conforme o caráter dos indivíduos. Solte um físico, em campo de certa natureza, um papagaio elétrico e faça, por esse meio, cair um raio sobre uma árvore e o novo Prometeu será tido certamente como senhor de um poder diabólico. E, seja dito de passagem, Prometeu nos parece, muito singularmente, ter sido um precursor de Franklin; mas, Josué, detendo o movimento do Sol, ou, antes, da Terra, esse teria operado verdadeiro milagre, porquanto não conhecemos magnetizador algum dotado de tão grande poder, para realizar tal prodígio.

De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários é, incontestavelmente, o da escrita direta e um dos que demonstram de modo mais patente a ação das inteligências ocultas. Mas, da circunstância de ser esse fenômeno produzido por seres ocultos, não se segue que seja mais miraculoso do que qualquer dos outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos, que povoam os espaços, são uma das potências da Natureza, potências cuja ação é incessante, assim sobre o mundo material, como sobre o mundo moral. 

Esclarecendo-nos com relação a essa potência, o Espiritismo nos dá a explicação de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, à falta de toda explicação, passaram por prodígios, nos tempos antigos. Do mesmo modo que o magnetismo, ele nos revela uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, mais acertadamente, de uma lei que se desconhecia, embora se lhe conhecessem os efeitos, visto que estes sempre se produziram em todos os tempos, tendo a ignorância da lei gerado a superstição. Conhecida ela, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que, fazendo que uma mesa se mova, ou que os mortos escrevam, os espíritas não operam maior milagre do que opera o médico que restitui à vida um moribundo, ou o físico que faz cair o raio. Aquele que pretendesse, por meio desta ciência, realizar milagres, seria ou ignorante do assunto, ou embusteiro.


16.  Os fenômenos espíritas, assim como os fenômenos magnéticos, antes que se lhes conhecesse a causa, tiveram que passar por prodígios. Ora, como os cépticos, os espíritos fortes, isto é, os que gozam do privilégio exclusivo da razão e do bom-senso, não admitem que uma coisa seja possível, desde que não a compreendam, de todos os fatos considerados prodigiosos fazem objeto de suas zombarias. Pois que a religião conta grande número de fatos desse gênero, não crêem na religião e daí à incredulidade absoluta o passo é curto. Explicando a maior parte deles, o Espiritismo lhes assina uma razão de ser.

Vem, pois, em auxílio da religião, demonstrando a possibilidade de muitos que, por perderem o caráter de miraculosos, não deixam, contudo, de ser extraordinários, e Deus não fica sendo menor, nem menos poderoso, por não haver derrogado suas leis. De quantas graçolas não foi objeto o fato de São Cupertino se erguer nos ares! Ora, a suspensão etérea dos corpos graves é um fenômeno que a
lei espírita explica. Fomos dele  pessoalmente testemunha ocular,  e o Sr. Home, assim como outras pessoas de nosso conhecimento, repetiram muitas vezes o fenômeno produzido por São Cupertino. Logo, este fenômeno pertence à ordem das coisas naturais.


17. Entre os deste gênero, devem figurar na primeira linha as aparições, porque são as mais freqüentes. A de Salette, sobre a qual divergem as opiniões no seio do próprio clero, nada tem para nós de insólita. Certamente não podemos afirmar que o fato se deu, porque não temos disso prova
material; mas, consideramo-lo possível, atendendo a que conhecemos milhares de outros análogos, recentemente ocorridos. Damos-lhes crédito não só porque lhes verificamos a realidade, como, sobretudo, porque sabemos perfeitamente de que maneira se produzem. Quem se reportar à teoria, que adiante expomos, das aparições, reconhecerá que este fenômeno se mostra tão simples e plausível, como um sem-número de fenômenos físicos, que só parecem prodigiosos por falta de uma chave que permita explicá-los.

Quanto à personagem que se apresentou na Salette, é outra questão. Sua identidade não nos foi absolutamente demonstrada. Apenas reconhecemos que pode ter havido uma aparição; quanto ao mais, escapa à nossa competência. A esse respeito, cada um está no direito de manter suas convicções, nada tendo o Espiritismo que ver com isso. Dizemos tão-somente que os fatos que o Espiritismo produz nos revelam leis novas e nos dão a explicação de um mundo de coisas que pareciam sobrenaturais. Desde que alguns dos que passavam por miraculosos encontram, assim, explicação lógica, motivo é este bastante para que ninguém se apresse a negar o que não compreende.

Algumas pessoas contestam os fenômenos espíritas precisamente porque tais fenômenos lhes parecem estar fora da lei comum e porque não logram achar-lhes qualquer explicação. Dai-lhes uma base racional e a dúvida desaparecerá. A explicação, neste século em que ninguém se contenta com
palavras, constitui, pois, poderoso motivo de convicção. Daí o vermos, todos os dias, pessoas, que nenhum fato testemunharam, que não observaram uma mesa agitar-se, ou um médium escrever, se tornarem tão convencidas quanto nós, unicamente porque leram e compreenderam. Se houvéssemos de somente acreditar no que vemos com os nossos olhos a bem pouco se reduziriam as nossas convicções.