Do maravilhoso e do sobrenatural
10. Para os que consideram a matéria a única potência da Natureza, tudo o que
não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso, ou sobrenatural, e, para eles, maravilhoso é sinônimo de
superstição. Se assim fosse,
a religião, que se baseia na existência de um princípio imaterial, seria um tecido de superstições. Não ousam dizê-lo em voz alta, mas dizem-no baixinho e julgam salvar as aparências concedendo que uma religião é necessária ao povo e às crianças, para que se tornem ajuizados. Ora, uma de duas, ou o princípio religioso é verdadeiro, ou falso. Se é verdadeiro,
a religião, que se baseia na existência de um princípio imaterial, seria um tecido de superstições. Não ousam dizê-lo em voz alta, mas dizem-no baixinho e julgam salvar as aparências concedendo que uma religião é necessária ao povo e às crianças, para que se tornem ajuizados. Ora, uma de duas, ou o princípio religioso é verdadeiro, ou falso. Se é verdadeiro,
ele o é para toda gente, se falso, não tem maior valor para os ignorantes do que para os instruídos.
11. Os que atacam o Espiritismo, em nome do maravilhoso, se
apóiam geralmente no princípio materialista, porquanto, negando qualquer efeito
extramaterial, negam, ipso facto, a existência
da alma. Sondai-lhes, porém, o fundo das consciências, perscrutai bem o
sentido de suas palavras
e descobrireis quase sempre esse princípio, se não categoricamente
formulado,
germinando por baixo da capa com que o cobrem, a de uma pretensa
filosofia racional. Lançando à conta do maravilhoso tudo o que decorre
da existência da alma, são, pois, conseqüentes consigo mesmos:
não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos. Daí, entre eles,
uma opinião preconcebida, que os torna impróprios para julgar lisamente
do Espiritismo, visto que o princípio donde partem é o da negação de
tudo o que não seja material.
Quanto
a nós, dar-se-á aceitemos todos os fatos qualificados
de maravilhosos, pela simples razão de admitirmos os efeitos que são a
conseqüência da existência da alma? Dar-se-á sejamos campeões de todos
os sonhadores,
adeptos de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas?
Quem o
supuser, demonstrará bem minguado conhecimento do Espiritismo. Mas, os
nossos adversários não atentam nisto muito de perto. O de que menos
cuidam é da necessidade de conhecerem aquilo de que falam.
Segundo
eles, o maravilhoso é absurdo; ora, o Espiritismo se
apóia em fatos maravilhosos, logo o Espiritismo é absurdo. E consideram
sem
apelação esta sentença. Acham que opõem um argumento irretorquível
quando, depois de terem procedido a eruditas pesquisas acerca dos
convulsionários de Saint-Médard, dos fanáticos de Cevenas, ou das
religiosas de Loudun, chegaram à descoberta de patentes
embustes, que ninguém contesta. Semelhantes histórias, porém, serão o
evangelho do Espiritismo? Terão seus adeptos
negado que o charlatanismo há explorado, em proveito próprio, alguns
fatos? que outros sejam frutos da imaginação? que muitos tenham sido
exagerados pelo fanatismo? Tão solidário é ele com as extravagâncias que
se cometam em seu nome, quanto a verdadeira ciência com os abusos da
ignorância, ou a verdadeira religião com os excessos do sectarismo.
Muitos críticos se limitam a julgar do
Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares que lhe são
as facções. O mesmo fora julgar da História pelos
romances históricos, ou pelas tragédias.
12.
Em lógica elementar, para se discutir uma coisa, preciso
se faz conhecê-la, porquanto a opinião de um crítico só tem valor,
quando ele fala com perfeito conhecimento de causa. Então, somente, sua
opinião, embora errônea, poderá
ser tomada em consideração. Que peso, porém, terá quando ele trata do
que não conhece? A legitima crítica deve demonstrar, não só erudição,
mas também profundo conhecimento do objeto que versa, juízo reto e
imparcialidade a toda prova, sem o que, qualquer menestrel poderá
arrogar-se o direito de julgar Rossini e um pinta-monos o de censurar
Rafael.
13.
Assim, o Espiritismo não aceita todos os fatos considerados
maravilhosos, ou sobrenaturais. Longe disso, demonstra a impossibilidade
de
grande número deles e o ridículo de certas crenças, que constituem a
superstição
propriamente dita. É exato que, no que ele admite, há coisas que, para
os incrédulos, são puramente do domínio do
maravilhoso, ou por outra, da superstição. Seja. Mas, ao menos, discuti
apenas
esses pontos, porquanto, com relação aos demais, nada há que dizer e
pregais em vão. Atendo-vos ao que ele próprio refuta, provais ignorar o
assunto e os vossos argumentos erram o alvo.
Porém,
até onde vai a crença do Espiritismo? perguntarão.
Lede, observai e sabê-lo-eis. Só com o tempo e o estudo se adquire o
conhecimento de qualquer ciência. Ora, o Espiritismo, que entende com as
mais graves questões de filosofia, com todos os ramos da ordem social,
que abrange tanto o homem físico quanto o homem moral, é, em si mesmo,
uma ciência, uma filosofia, que já não podem ser aprendidas em algumas
horas,
como nenhuma outra ciência.
Tanta
puerilidade haveria em se querer ver todo o
Espiritismo numa mesa girante, como toda a física nalguns brinquedos de
criança. A quem não se limite a ficar na
superfície, são necessários, não algumas horas somente, mas meses e
anos, para lhe sondar todos os arcanos. Por aí se pode apreciar o grau
de saber e o valor da opinião dos que se atribuem o direito de julgar,
porque viram uma ou duas experiências, as mais das vezes por distração
ou
divertimento. Dirão eles com certeza que não lhes sobram lazeres para
consagrarem a tais estudos todo o tempo que reclamam.
Está bem; nada a isso os constrange. Mas, quem não tem tempo de aprender
uma coisa não se mete a discorrer sobre ela e, ainda menos, a julgá-la,
se não quiser que o acoimem
de leviano. Ora, quanto mais elevada seja a posição que ocupemos na
ciência, tanto menos escusável é que digamos, levianamente, de um
assunto que desconhecemos.