CAPÍTULO III
Do Método
20. Entre os materialistas, importa distinguir duas classes:
colocamos na primeira os que o são por
sistema. Nesses, não há a dúvida, há a negação absoluta, raciocinada a seu modo. O homem, para eles, é simples máquina, que funciona enquanto está montada, que se desarranja e de que, após a morte, só resta a carcaça.
Felizmente, são em número restrito e não formam escola
abertamente confessada. Não precisamos insistir nos deploráveis efeitos que para a ordem social resultariam da vulgarização de semelhante doutrina. Já nos estendemos bastante sobre esse assunto em O Livro dos Espíritos (nº 147 e § III da Conclusão).
Quando dissemos que a dúvida cessa nos incrédulos diante de uma explicação racional, excetuamos os
materialistas extremados, os que negam a existência de qualquer força e de qualquer princípio inteligente fora da matéria. A maioria deles se obstina por orgulho na opinião que
professa, entendendo que o amor-próprio lhes impõe persistir nela. E persistem, não obstante todas as provas em contrario, porque não querem ficar de baixo. Com tal gente, nada há que fazer; ninguém mesmo se deve deixar iludir pelo falso tom de sinceridade dos que dizem: fazei que eu veja, e
acreditarei. Outros são mais francos e dizem sem rebuço: ainda que eu visse, não acreditaria.
21. A segunda classe de materialistas, muito mais numerosa
do que a primeira, porque o verdadeiro materialismo é um sentimento antinatural, compreende os que o são por indiferença, por falta de coisa melhor, pode-se dizer. Não o são deliberadamente e o que mais desejam é crer, porquanto a
incerteza lhes é um tormento. Há neles uma vaga aspiração pelo futuro; mas esse
futuro lhes foi apresentado com cores tais, que a razão deles se recusa a aceitá-lo. Daí a dúvida e, como conseqüência da dúvida, a incredulidade. Esta, portanto, não constitui neles um sistema.
Assim sendo, se lhes apresentardes alguma coisa racional, aceitam-na pressurosos. Esses, pois, nos podem compreender,
visto estarem mais perto de nós do que, por certo, eles próprios o julgam.
Aos primeiros não faleis de revelação, nem de anjos, nem do paraíso: não vos compreenderiam. Colocai-vos, porém,
no terreno em que eles se encontram e provai-lhes primeiramente que as leis da Fisiologia são impotentes para tudo explicar; o resto virá depois.
De outra maneira se passam as coisas, quando a incredulidade
não é preconcebida, porque então a crença não é de todo nula; há um gérmen latente, abafado pelas ervas más, e que uma centelha pode reavivar. É o cego a quem se restitui a vista e que se alegra por tornar a ver a luz; é o náufrago a quem se lança uma tábua de salvação.