III – NOTÍCIAS HISTÓRICAS
Para bem se compreenderem algumas passagens dos Evangelhos,
necessário se faz conhecer o valor de muitas palavras neles freqüentemente
empregadas e que caracterizam o estado dos costumes e da sociedade judia
naquela época. Já não tendo para nós o mesmo sentido, essas palavras foram com
frequência mal-interpretadas, causando isso uma espécie de incerteza. A
inteligência da significação delas
explica, ao demais, o verdadeiro sentido de certas máximas que,
à primeira vista, parecem singulares.
Escribas. – Nome dado, a princípio, aos secretários dos reis
de Judá e a certos intendentes dos exércitos judeus. Mais tarde, foi aplicado
especialmente aos doutores que ensinavam a lei de Moisés e a interpretavam para
o povo. Faziam causa comum com os fariseus, de cujos princípios partilhavam,
bem como da antipatia que aqueles votavam aos inovadores. Daí o envolvê-los
Jesus na reprovação que lançava aos fariseus.
Essênios ou esseus. – Também seita judia fundada cerca do
ano 150 antes de Jesus-Cristo, ao tempo dos macabeus, e cujos membros, habitando uma espécie de mosteiros,
formavam entre si uma como associação moral e religiosa.
Distinguiam-se pelos costumes brandos e por austeras virtudes, ensinavam o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma e acreditavam na ressurreição. Viviam em celibato, condenavam a escravidão e a guerra, punham em comunhão os seus bens e se entregavam à agricultura. Contrários aos saduceus sensuais, que negavam a imortalidade; aos fariseus de rígidas práticas exteriorese de virtudes apenas aparentes, nunca os essênios tomaram parte nas querelas que tornaram antagonistas aquelas duas outras seitas. Pelo gênero de vida que levavam, assemelhavam-se muito aos primeiros cristãos, e os princípios da moral que professavam induziram muitas pessoas a supor que Jesus, antes de dar começo à sua missão pública, lhes pertencera à comunidade. É certo que ele há de tê-la conhecido, mas nada prova que se lhe houvesse filiado, sendo, pois, hipotético tudo quanto a esse respeito se escreveu.¹
Distinguiam-se pelos costumes brandos e por austeras virtudes, ensinavam o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma e acreditavam na ressurreição. Viviam em celibato, condenavam a escravidão e a guerra, punham em comunhão os seus bens e se entregavam à agricultura. Contrários aos saduceus sensuais, que negavam a imortalidade; aos fariseus de rígidas práticas exteriorese de virtudes apenas aparentes, nunca os essênios tomaram parte nas querelas que tornaram antagonistas aquelas duas outras seitas. Pelo gênero de vida que levavam, assemelhavam-se muito aos primeiros cristãos, e os princípios da moral que professavam induziram muitas pessoas a supor que Jesus, antes de dar começo à sua missão pública, lhes pertencera à comunidade. É certo que ele há de tê-la conhecido, mas nada prova que se lhe houvesse filiado, sendo, pois, hipotético tudo quanto a esse respeito se escreveu.¹
Fariseus (do hebreu parush, divisão, separação). – A tradição
constituía parte importante da teologia dos judeus. Consistia numa compilação
das interpretações sucessivamente dadas ao sentido das Escrituras e tornadas artigos
de dogma. Constituía, entre os doutores, assunto de discussões intermináveis,
as mais das vezes sobre simples questões de palavras ou de formas, no gênero
das disputas teológicas e das sutilezas da escolástica da Idade Média. Daí
nasceram diferentes seitas, cada uma das quais pretendia ter o monopólio da
verdade, detestando-se umas às outras, como sói acontecer.
Entre essas seitas, a mais influente era a dos fariseus,que
teve por chefe Hillel ², doutor judeu nascido na Babilônia, fundador de uma
escola célebre, onde se ensinava que só se devia depositar fé nas Escrituras.
Sua origem remonta a 180 ou 200 anos antes de Jesus-Cristo. Os fariseus, em diversas
épocas, foram perseguidos, especialmente sob Hircano – soberano pontífice e rei
dos judeus –, Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria. Este último, porém, lhes
deferiu honras e restituiu os bens, de sorte que eles readquiriram o
antigo poderio e o conservaram até à ruína de Jerusalém, no
ano 70 da era cristã, época em que se lhes apagou o nome, em conseqüência da
dispersão dos judeus. Tomavam parte ativa nas controvérsias religiosas. Servis cumpridores
das práticas exteriores do culto e das cerimônias; cheios de um zelo ardente de
proselitismo, inimigos dos inovadores, afetavam grande severidade de princípios;
mas, sob as aparências de meticulosa devoção, ocultavam costumes dissolutos,
muito orgulho e, acima de tudo, excessiva ânsia de dominação. Tinham a religião
mais como meio de chegarem a seus fins, do que como objeto de fé sincera. Da
virtude nada possuíam, além das exterioridades e da ostentação; entretanto, por
umas e outras, exerciam grande influência sobre o povo, a cujos olhos passavam por
santas criaturas. Daí o serem muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam, ou, pelo menos, fingiam acreditar na Providência,
na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreição dos mortos.
(Cap. IV, nº 4.)
Jesus, que prezava, sobretudo, a simplicidade e as
qualidades da alma, que, na lei, preferia o espírito, que vivifica, à letra,
quemata, se aplicou, durante toda a sua missão, a lhes desmascarar a
hipocrisia, pelo que tinha neles encarniçados inimigos. Essa a razão por que se
ligaram aos príncipes dos sacerdotes para amotinar contra ele o povo e
eliminá-lo.
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¹ A morte de Jesus, supostamente escrita por um essênio, é
obra
inteiramente apócrifa, cujo único fim foi servir de apoio a
uma opinião.
Ela traz em si mesma a prova da sua origem moderna.
² Não confundir esse Hillel que fundou a seita dos fariseus
com o seu
homônimo que viveu duzentos anos mais tarde e estabeleceu os
princípios religiosos e sociais de um sistema todo de
tolerância e
amor, sistema hoje conhecido por Hilelismo. – A Editora da
FEB,
1947.
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Nazarenos. – Nome dado, na antiga lei, aos judeus que faziam
voto, ou perpétuo ou temporário, de guardar perfeita pureza. Eles se
comprometiam a observar a castidade, a abster-se de bebidas alcoólicas e a
conservar a cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos.
Mais tarde, os judeus deram esse nome aos primeiros cristãos,
por alusão a Jesus de Nazaré.
Também foi essa a denominação de uma seita herética dos
primeiros séculos da era cristã, a qual, do mesmo modo que os ebionitas, de
quem adotava certos princípios, misturava as práticas do moisaísmo com os
dogmas cristãos, seita essa que desapareceu no século quarto.
Portageiros. – Eram os arrecadadores de baixa categoria, incumbidos
principalmente da cobrança dos direitos de entrada nas cidades. Suas funções correspondiam
mais ou menos à dos empregados de alfândega e recebedores dos direitos de
barreira. Compartilhavam da repulsa que pesava sobre os publicanos em geral.
Essa a razão por que, no Evangelho, se depara frequentemente com a palavra
publicano ao lado da expressão gente de má vida. Tal
qualificação não implicava a de debochados ou vagabundos. Era um termo de
desprezo, sinônimo de gente de má companhia,gente indigna de conviver com
pessoas distintas.
Publicanos. – Eram assim chamados, na antiga Roma, os
cavalheiros arrendatários das taxas públicas, incumbidos da cobrança dos
impostos e das rendas de toda espécie, quer em Roma mesma, quer nas outras
partes do Império. Eram como os arrendatários gerais e arrematadores de taxas
do antigo regímen na França e que ainda existem nalgumas regiões. Os riscos a
que estavam sujeitos faziam que os olhos se fechassem para as riquezas que muitas
vezes adquiriam e que, da parte de alguns, eram frutos de exações e de lucros
escandalosos. O nome de publicano se estendeu mais tarde a todos os que
superintendiam
os dinheiros públicos e aos agentes subalternos. Hoje esse
termo se emprega em sentido pejorativo, para designar os financistas e os
agentes pouco escrupulosos de negócios.
Diz-se por vezes: “Ávido como um publicano, rico como um
publicano”, com referência a riquezas de mau quilate. De toda a dominação
romana, o imposto foi o que os judeus mais dificilmente aceitaram e o que mais
irritação causou entre eles. Daí nasceram várias revoltas, fazendo-se do caso
uma questão religiosa, por ser considerada contrária à Lei. Constituiu-se,
mesmo, um partido poderoso, a cuja frente se pôs um certo Judá, apelidado o
Gaulonita, tendo por princípio o não pagamento do imposto. Os judeus,
pois, abominavam a este e, como conseqüência, a todos os que
eram encarregados de arrecadá-lo, donde a aversão que votavam aos publicanos de todas as categorias, entre
os quais podiam encontrar-se pessoas muito estimáveis, mas que, em virtude das
suas funções, eram desprezadas, assim como os que com elas mantinham relações, os
quais se viam atingidos pela mesma reprovação.
Os judeus de destaque consideravam um comprometimento ter
com eles intimidade.
Saduceus. – Seita judia, que se formou por volta do ano 248
antes de Jesus-Cristo e cujo nome lhe veio do de Sadoc, seu fundador. Não criam
na imortalidade, nem na ressurreição, nem nos anjos bons e maus. Entretanto, criam
em Deus; nada, porém, esperando após a morte, só o serviam tendo em vista
recompensas temporais, ao que, segundo eles, se limitava a providência divina.
Assim pensando, tinham a satisfação dos sentidos físicos por objetivo essencial
da vida. Quanto às Escrituras, atinham-se ao texto
da lei antiga. Não admitiam a tradição, nem interpretações quaisquer.
Colocavam as boas obras e a observância pura e simples da Lei acima das
práticas exteriores do culto. Eram, como se vê, os materialistas, os deístas e
os sensualistas da época. Seita pouco numerosa, mas que contava em seu
seio importantes personagens e se tornou um partido político
oposto constantemente aos fariseus.
Samaritanos. – Após o cisma das dez tribos, Samaria se
constituiu a capital do reino dissidente de Israel. Destruída e reconstruída
várias vezes, tornou-se, sob os romanos, a cabeça da Samaria, uma das quatro
divisões da Palestina. Herodes, chamado o Grande, a embelezou de suntuosos
monumentos e, para lisonjear Augusto, lhe deu o nome de Augusta, em grego Sebaste.Os
samaritanos estiveram quase constantemente em guerra com os reis de Judá.
Aversão profunda, datando da época da separação, perpetuou-se entre os dois
povos, que evitavam todas as relações recíprocas. Aqueles, para tornarem
maior a cisão e não terem de vir a Jerusalém pela celebração
das festas religiosas, construíram para si um templo particular e adotaram
algumas reformas. Somente admitiam o Pentateuco, que continha a lei de Moisés,
e rejeitavam todos os outros livros que a esse foram posteriormente anexados.
Seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta
antigüidade. Para os judeus ortodoxos, eles eram heréticos e, portanto,
desprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha,
pois, por fundamento único a divergência das opiniões religiosas; se bem fosse
a mesma a origem das crenças de uma e outra. Eram os protestantes desse tempo.
Ainda hoje se encontram samaritanos em algumas regiões do
Levante, particularmente em Nablus e em Jafa. Observam a lei de Moisés com mais
rigor que os outros judeus e só entre si contraem alianças.
Sinagoga (do grego synagogê, assembléia, congregação). – Um
único templo havia na Judéia, o de Salomão, em Jerusalém, onde se celebravam as
grandes cerimônias do culto. Os judeus, todos os anos, lá iam em peregrinação para
as festas principais, como as da Páscoa, da Dedicação e dos Tabernáculos. Por
ocasião dessas festas é que Jesus também costumava ir lá. As outras cidades não
possuíam templos, mas, apenas, sinagogas: edifícios onde os judeus se reuniam
aos sábados, para fazer preces públicas, sob a
chefia dos anciães, dos escribas, ou doutores da Lei. Nelas também
se realizavam leituras dos livros sagrados, seguidas de explicações e
comentários, atividades das quais qualquer
pessoa podia participar. Por isso é que Jesus, sem ser sacerdote,
ensinava aos sábados nas sinagogas.
Desde a ruína de Jerusalém e a dispersão dos judeus, as
sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem-lhes de templos para a
celebração do culto.
Terapeutas (do grego therapeutai, formado de therapeuein, servir,
cuidar, isto é: servidores de Deus, ou curadores).– Eram sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos
principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham muita relação com os essênios,
cujos princípios adotavam, aplicando-se, como esses últimos, à prática de todas
as virtudes. Eram de extrema frugalidade na alimentação. Também celibatários,
votados à contemplação e vivendo vida solitária, constituíam uma verdadeira
ordem
religiosa. Fílon, filósofo judeu platônico, de Alexandria,
foi o primeiro a falar dos terapeutas, considerando-os uma seita do judaísmo.
Eusébio, S. Jerônimo e outros Pais da Igreja pensam que eles eram cristãos.
Fossem tais, ou fossem judeus, o que é evidente é que, do mesmo modo que os
essênios, eles representam o traço de união
entre o Judaísmo e o Cristianismo.